Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : “Fui eu ?”
Deus sabe, porque o escreveu.
Fernando Pessoa
Poema sempre me identificam, Pessoa, estranha a si mesmo ao revisitar seu passado, suas crenças, seus sentimentos.
Eu me estranho, por diversas vezes, ao pensar em atitudes, coisas que escrevi.As instabilidades da vida, do país, das coisas que cremos serem as certas, mas, não são certas para todos, uns querem mais, outros querem mais ainda, outros querem tudo, fazem com que ao olhar para estes fatos e vermos que querem que sejamos a paisagem deles e para eles.
Não. Jamais serei sua paisagem, sou minha própria paisagem, mesmo que me torne só. Que tenha que estar em constante desassossego. Meu sonho é o sonho de outro, porque me envolvo.e me multiplico em muitas almas e sempre me estranho, por ver que este sonho não era meu, mas eu me tornei noutro, por sonhar seus sonhos. E me estranho sempre.
Alguns só olham e por isto não se perturbam. Mas sentir transforma e faz com que sejamos sempre estranhos, por sentir demais.
Obrigada, Fernando Pessoa.

Observar e absorver
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LINDO!
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