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Aqueles dois- CFA

A verdade é que não havia mais ninguém em volta. Meses depois, não no começo, um deles diria que a repartição era como “um deserto de almas”. O outro concordou sorrindo, orgulhoso, sabendo-se excluído. E longamente, entre cervejas, trocaram então ácidos comentários sobre as mulheres mal-amadas e vorazes, os papos de futebol, amigo secreto, lista de presente, bookmaker, bicho, endereço de cartomante, clips no relógio de ponto, vez enquando salgadinhos no fim do expediente, champanha nacional em copo de plástico. Num deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra — talvez por isso, quem sabe? Mas nenhum se perguntou.)…)

Mas quando saíram pela porta daquele prédio grande e antigo, parecido com uma clínica ou uma penitenciária, vistos de cima pelos colegas todos postos na janela, a camisa branca de um, a azul do outro, estavam ainda mais altos e mais altivos. Demoraram alguns minutos na frente do edifício. Depois apanharam o mesmo táxi, Raul abrindo a porta para que Saul entrasse. Ai-ai, alguém gritou da janela. Mas eles não ouviram. O táxi já tinha dobrado a esquina.

Pelas tardes poeirentas daquele resto de janeiro, quando o sol parecia a gema de um enorme ovo frito no azul sem nuvens no céu, ninguém mais conseguiu trabalhar em paz na repartição. Quase todos ali dentro tinham a nítida sensação de que seriam infelizes para sempre. E foram.
Morangos Mofados, é uma historia sobre um encontro entre duas pessoas, sem lembrarem-se que eram do mesmo sexo, apenas se encontraram e se amam, em uma época em que isto era motivo de demissão, os colegas os aceitavam lá á sua maneira, não os excluíam, eles mesmo se afastavam, por sentirem a pressão da sociedade da época, o prédio da repartição na imagem dele parece uma Clinica Psiquiátrica, é o prédio onde trabalham, tamanha é a desolação dele em ser demitido, eram concursados, e nem isto garantiu seu emprego. Visto que sem ter como ganhar sua subsistencia o homem ou mulher sentem-se menos felizes, Caio era depressivo foi perseguido pelo DOOPS, foi exilado, e depois retornou ao Brasil, estava com Aids, morreu em 1996.

MÃO UNICA-AMOR

Link para PDF:

http://www.releituras.com/caioabreu_dois.asp

– Morangos Mofados, contos. São Paulo: Brasiliense, 1982; 9 ed. Cia. das Letras, 1995. Reeditado pela Agir – Rio, 2005