– Como foi seu dia? — perguntou ela.
– Bom.
Ele não ia a sua cidade desde o final de outubro, ela sabia — um passarinho devia ter lhe contado —, e daí a mensagem. O lugar novo era uma fábrica de tecidos vazia e um corretor encarregado da negociação não parava de ligar para ele. -Temos que fechar este contrato, vivia lhe dizendo. Vocês não são os únicos de olho na propriedade. Estou indo o mais rápido que posso, disse ele. Você precisa ter paciência.
– Está cara demais – disse ele, bebeu um gole e perguntou -O que tem para contar?
– O de sempre. Faço fazendo hidroterapia.
– Você não parece estar gostando de muita coisa ultimamente – disse, com uma amargura surpreendente.
-Não entendo – falou ela para a tevê. Uma cantora negra estava na tela, cantando.
Ela se virou para encará-lo, séria.
–Sei como se sente… disse ela
– Não, não sabe -disse ele. – Nem um pouco.
Ela fazia as coisas sem pensar sobre elas. Era mais seguro assim.
Era como ter uma tomada na cabeça que era desligada sempre que a consciência perguntava: Por que está fazendo isso? Um pedaço da sua mente ficava escuro. Só por um segundo. A tomada é religada. A consciência volta.
Mas a ação já desapareceu, e tudo está bem.
Clik, e a tomada era desligada. e religada
E tudo parecia algo que aconteceu em algum lugar distante. Nada mais que isso.
A rua era longa, descia em curva e oferecia uma bela vista do parque e da Estação do Metrô reformada recentemente, era a vista que o progresso interventor produzira, na forma de construção de arranha-céus, estações de Trens e Metrô, os centros culturais eram o modo de relembrar e manter na memoria como era a cidade antes, então gostava deles.
Eles tinham sido mantidos em diversos casarões antigos para preservar as casas e a memoria, mas as pontes, viadutos bloqueavam boa parte da vista destes casarões, era preciso rodea-los para aproveitar bem o passeio, e isto era melhor á pé ou de metrô e até mesmo de trem, aproveita-se bem mais o passeio, porque estacionamento é algo dificil de se conseguir no Centro.
Uma casa de vários níveis e um longo jardim da frente, que no momento estava um pouco seco e esperando que a chuva o regasse. A entrada para carros era de asfalto, recém-aplicado ainda estava pretissimo. Esta ele parou e disse vou compra-la para nós.Ri.
Ele começou a mobiliá-la imediatamente em sua cabeça.
Havia uma antena instalado, e ele não parou até concluir. Eu não queria que ele fizesse aquilo, por conta do que supostamente pudesse acontecer, mas ele continuou.
Não seja bobo. Vai ser despesa demais… trabalho a mais para você. Era isso que ela falava nas raras ocasiões em que ele fazia questão o suficiente de algo para forçá-lo contra o melaço pegajoso das suas argumentações.
Quero “agradar” a você, dizia ele, vou ganhar voce para mim.
Naquele momento, ela assistia o vai e vem da cidade com sua tomada desligada, e conversaram como se fossem viver para sempre e juntos.
Entramos e a correspondência estava na mesa de cabeceira. Ele a folheou. Uma fatura de cartão de crédito. Um extrato bancário. Ele havia usado o American Express nas lojas em que pararam.
— Quer café? Esta quente!— gritou — Ou quer um suco?
— Um suco — disse ele. — Deixe que eu pego.
Três outras correspondências: um aviso de palestra em um almoço.
Uma mensagem pessoal, que ela não identificou de quem, outra de uma corporação comercial, que queria que ele fosse até lá conversar sobre negócios,
_Será que ele estava planejando viajar no feriado? Se estiver, que me ligue. Se não, vou fingir que nem vi, e a tomada era desligada instantaneamente. E outra carta do Departamento de Estradas.
Ele ficou um bom tempo parado olhando para ela sob a luz cinza da tarde que atravessava as janelas e então colocou toda a correspondência na mesa e sentou-se, começaram a ver a TV.
Ele disse se nossos aviões forem tão bons quanto nossas televisões em cores, teremos trafego no ceu.
O cabelo dele começara a pratear, o tom mais impossível de prateado que se pode imaginar, lhe conferia um charme singular.
Ele se sentou ao lado dela e apertou sua bochecha.
Ela era uma mulher alta, e naquela crise de aparência em que a beleza juvenil está decidindo o que vai ser na meia-idade. Não estaria apta a tremer diante das meninas de 15 ou 18, independente do destino que os deuses resolvessem dar ao resto do seu caso. Isso era quase um consenso que ela não partilhava, mas não era avessa.
Viaduto Santa Efigenia-SP
