Às vezes, quando ergo a cabeça estonteada dos livros em que escrevo as contas alheias e a ausência de vida própria, sinto uma náusea física, que pode ser de me curvar, mas que transcende os números e a desilusão. A vida desgosta-me como um remédio inútil. E é então que eu sinto com visões claras como seria fácil o afastamento deste tédio se eu tivesse a simples força de o querer deveras afastar.
Vivemos pela ação, isto é, pela vontade. Aos que não sabemos querer — sejamos gênios ou mendigos — irmana-nos a impotência. De que me serve citar-me gênio se resulto ajudante de guarda-livros? Quando Cesário Verde fez dizer ao médico que era, não o Sr. Verde empregado no comércio, mas o poeta Cesário Verde, usou de um daqueles verbalismos do orgulho inútil que suam o cheiro da vaidade. O que ele foi sempre, coitado, foi o Sr. Verde empregado no comércio.
O poeta nasceu depois de ele morrer, porque foi depois de ele morrer que nasceu a apreciação ao poeta.
Agir, eis a inteligência verdadeira. Serei o que quiser.
Mas tenho que querer o que for.
O êxito está em ter êxito, e não em ter condições de êxito.
Condições de palácio tem qualquer terra larga,
mas, onde estará o palácio se o não fizerem ali?
Fernando Pessoa